Associação de Proteção Veicular é Legal? A Resposta Complexa de uma Advogada sobre a Lei e o “Limbo” Regulatório

 

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O Campo de Batalha Jurídico: A Visão da SUSEP, a Defesa das Associações e as Decisões dos Tribunais

 

 

O Que Isso Significa Para Você, Consumidor: Entendendo Seus (Limitados) Direitos e os Riscos da Incerteza Legal

 

“Doutora, mas isso é legal?”. Essa é, sem dúvida, a pergunta mais carregada de tensão e a mais fundamental de todas. “Associação de proteção veicular é legal?“. Quando um cliente me faz essa pergunta, eu respiro fundo, ajeito-me na cadeira e sei que a resposta não será um simples “sim” ou “não”. Será uma viagem por uma das áreas mais cinzentas e controversas do direito brasileiro atual. Como advogada, essas zonas de penumbra me fascinam academicamente, mas me apavoram do ponto de vista do consumidor. Porque é nesse limbo, nesse campo de batalha onde gigantescos interesses financeiros e complexas teses jurídicas se chocam, que o cidadão comum, buscando apenas proteger seu patrimônio, corre o maior risco. Meu objetivo aqui não é dar um veredito, pois nem mesmo o Judiciário brasileiro chegou a um, mas sim ser sua guia por esse campo minado, mostrando onde estão as trincheiras de cada lado e, mais importante, o que essa guerra significa para você.

Para entender a questão, imagine um tribunal. De um lado, no papel da acusação, temos a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), o órgão do governo federal responsável por regular o mercado de seguros. A tese da SUSEP é clara e direta: o que as associações de proteção veicular fazem é, na sua essência, a comercialização de seguros. Elas prometem cobertura para eventos futuros e incertos (roubo, colisão), mediante pagamento. Isso, para a SUSEP, define a atividade securitária. E, como elas operam sem a sua autorização, sem cumprir as exigências de capital mínimo, reservas financeiras e regras de governança, elas estariam operando um mercado de seguros ilegal, à margem da lei (especificamente o Decreto-Lei nº 73/66). A SUSEP, portanto, combate ativamente essas associações, aplicando multas e tentando fechá-las. Do outro lado, na defesa, estão as próprias associações e suas federações. O argumento delas é igualmente forte, mas baseado em outro pilar da nossa legislação: o direito constitucional à livre associação, previsto no Artigo 5º da Constituição Federal. Elas sustentam que não vendem seguros, pois não são empresas com fins lucrativos e, crucialmente, não há “transferência de risco”. Elas alegam que apenas administram um clube de ajuda mútua, onde os próprios associados, coletivamente, arcam com os prejuízos através do sistema de rateio. Portanto, não estariam sob a alçada da SUSEP.

E no meio, no papel do juiz, temos o Poder Judiciário, que está completamente dividido. Essa é a raiz de toda a insegurança jurídica. Em alguns estados, há juízes e tribunais que dão ganho de causa à SUSEP e determinam o fechamento de associações, entendendo que elas de fato operam seguros ilegalmente. Em outros, há decisões que protegem as associações, com base na liberdade constitucional de se associar. Para complicar ainda mais, há uma terceira via muito comum: tribunais que, sem entrar no mérito da legalidade da operação, decidem que a relação entre a associação e o membro é, na prática, uma relação de consumo. Nesses casos, eles aplicam o Código de Defesa do Consumidor (CDC) para resolver disputas, o que dá ao associado uma camada de proteção que ele não teria se a relação fosse vista como puramente associativa. O resultado é uma colcha de retalhos de decisões judiciais. A mesma atividade pode ser considerada legal em Curitiba e ilegal no Rio de Janeiro. Essa incerteza é o terreno pantanoso sobre o qual todo o sistema de proteção veicular está construído.

Mas o que essa briga de gigantes significa para você, na ponta da linha? As consequências são diretas e arriscadas. Primeiro, o risco de fechamento súbito. A associação que você contratou hoje pode ser fechada por uma decisão judicial amanhã, e você pode ficar sem cobertura da noite para o dia, com boletos pagos na mão e nenhuma garantia. Segundo, a incerteza dos seus direitos. Embora você possa lutar na justiça para que o CDC seja aplicado ao seu caso, isso não é garantido. Sua posição legal é, por natureza, mais frágil e contestável do que a de um consumidor de seguros tradicional. Terceiro, a dificuldade de reclamar. Não há um órgão administrativo centralizado como a SUSEP ou um Procon especializado para mediar conflitos de forma rápida. Na maioria das vezes, se a associação se recusar a pagar, seu único caminho será a via judicial, um processo que todos sabemos ser lento, caro e de resultado imprevisível. E o ponto mais importante: a “legalidade” não garante a “segurança”. Mesmo que um juiz decida que uma associação pode operar legalmente, essa decisão não cria, magicamente, as reservas financeiras necessárias para garantir o pagamento em uma crise. A discussão sobre a legalidade da operação é diferente da discussão sobre a solidez financeira do modelo.

Então, respondendo à pergunta inicial: “associação de proteção veicular é legal?“. A resposta mais honesta é um frustrante e perigoso “depende”. Depende de qual tribunal julgará o caso, de qual juiz presidirá a sessão, de qual tese jurídica prevalecerá naquele dia. Elas vivem e operam nesse limbo. E como advogada, meu princípio mais básico é nunca aconselhar um cliente a construir algo tão importante como a segurança de seu patrimônio sobre um terreno juridicamente instável. A legalidade da proteção veicular pode ser um debate fascinante para nós, advogados, mas a sua tranquilidade e o futuro da sua família não deveriam fazer parte dessa aposta.