O Que é Sinistro? Uma Advogada Traduz o Termo que Ninguém Quer Usar, Mas Precisa Entender

Do Susto na Rua à Mesa da Seguradora: Minha Experiência Pessoal com a Abertura de um Sinistro
Um Guia de Sobrevivência Pós-Sinistro: Os Passos que Você Deve Seguir Para Garantir Seus Direitos
A palavra, por si só, já causa um arrepio. “Sinistro”. Ela carrega um peso, uma conotação sombria, quase macabra. No meu mundo, o da advocacia, estou acostumada com termos que, para o leigo, soam estranhos e intimidadores. Mas poucas palavras têm o poder de gerar tanta confusão e angústia imediatas quanto esta. Vejo isso nos olhos dos meus clientes. Quando eles sofrem um acidente ou um roubo, o primeiro choque é o do evento em si. O segundo é quando eles entram no labirinto da seguradora e se deparam com esse jargão. “O senhor precisa abrir um aviso de sinistro”. A pessoa para, pisca, e a dúvida se instala: o que, afinal, é esse tal de sinistro? A verdade é que, por trás de um nome tão carregado, existe um conceito muito simples. “Sinistro” nada mais é do que a formalização, o nome técnico que se dá à ocorrência de um evento que estava previsto e coberto na sua apólice de seguro. É o momento em que a promessa se torna realidade. É a hora de acionar a rede de segurança que você, prudentemente, contratou. É o gatilho que dispara todo o processo de proteção pelo qual você pagou. Entender isso não diminui o estresse do acontecimento, mas elimina o medo do desconhecido e te dá o poder de navegar pelo processo com mais clareza e confiança.
Antes de mergulhar na minha própria experiência, é crucial, como a advogada que sou, colocar as definições corretas na mesa. Um sinistro não é apenas uma batida de carro. É qualquer evento coberto pela sua apólice. Se seu carro for roubado, isso é um sinistro. Se uma enchente o danificar, é um sinistro. Se uma pedra trincar seu para-brisa e você tiver a cobertura para vidros, o acionamento desse reparo também é, tecnicamente, um sinistro. Eles se dividem em duas grandes categorias. Temos o “sinistro parcial”, que é o mais comum. Ocorre quando os danos ao veículo são inferiores a 75% do seu valor de mercado e, portanto, o conserto é viável. É a batida que amassa a porta, o arranhão na coluna da garagem, o vidro quebrado. O outro é o temido “sinistro integral”, ou “perda total” (PT). Isso acontece quando o custo do conserto ultrapassa os 75% do valor do carro ou quando ele é roubado ou furtado e não é recuperado. Nesses casos, a seguradora não conserta o veículo; ela te indeniza com o valor em dinheiro previsto na sua apólice, geralmente atrelado à Tabela FIPE. Compreender essa distinção é fundamental, pois o caminho a seguir em cada um desses cenários é bem diferente.
Eu senti na pele o que é abrir um sinistro. A teoria é uma coisa, mas a prática, meus amigos, a prática acontece numa terça-feira chuvosa, às nove da noite, depois de um dia exaustivo no fórum. Lembro vividamente da cena. A rua estava mal iluminada, o cheiro de asfalto molhado pairava no ar. Eu me aproximei do meu carro, e meu cérebro demorou um segundo para processar a imagem errada. Havia um brilho diferente no chão. Eram cacos de vidro, espalhados como uma constelação de estrelas cruéis sob a luz amarelada do poste. A janela do passageiro estava estourada. O coração gela, a boca seca. A primeira sensação é de invasão, de vulnerabilidade. Levaram meu notebook, que estava no banco, com peças e anotações importantes. Naquele momento, em meio ao caos mental, a disciplina profissional falou mais alto. Meu primeiro instinto não foi ligar para o corretor, mas para o 190. Não só para registrar a ocorrência, mas pela minha própria segurança. Enquanto esperava, já com o Boletim de Ocorrência online aberto no celular, liguei para o 0800 da assistência 24h da minha seguradora. A voz do outro lado, calma e protocolar, foi um bálsamo. Ele fez as perguntas certas, confirmou meus dados e, em menos de 40 minutos, o guincho chegou, com suas luzes amarelas piscando e rasgando a escuridão, um sinal de que a ajuda estava a caminho. No dia seguinte, com mais calma, comuniquei formalmente o sinistro à seguradora, escolhi a oficina e dei início ao processo. Tive que ser firme para garantir que, além do vidro e da porta, eles cobrissem um pequeno dano no painel eletrônico que o ladrão causou. Foi uma pequena batalha, mas venci. E ali eu entendi: um sinistro é um processo. E, como todo processo, ele exige método, paciência e, às vezes, uma boa dose de firmeza.
Com base nessa e em outras experiências, tanto pessoais quanto profissionais, montei um pequeno guia de sobrevivência para o pós-sinistro. São os passos que eu mesma seguiria e que aconselho a todos os meus clientes. Primeiro: Segurança em primeiro lugar. Se for um acidente, sinalize a via, verifique se há feridos e, se necessário, chame imediatamente os bombeiros (193) ou o SAMU (192). Sua vida e a dos outros valem mais do que qualquer carro. Segundo: Documente absolutamente tudo. Hoje, todo mundo tem um celular no bolso. Use-o. Tire fotos de todos os ângulos, dos danos, da posição dos carros, da sinalização da via. Se houver testemunhas, anote nome e telefone. E faça o Boletim de Ocorrência (BO) o mais rápido possível. Ele é a pedra fundamental de todo o processo. Terceiro: Comunique a seguradora. Acione a assistência 24h se precisar de ajuda imediata (guincho, chaveiro). Depois, faça o “Aviso de Sinistro” formal. A maioria das seguradoras permite fazer isso por telefone, aplicativo ou pelo site. Tenha sua apólice em mãos. Responda às perguntas com calma e precisão. Quarto, e importantíssimo: Não assuma culpa nem faça acordos no local. Em um acidente, os ânimos podem estar exaltados. Seja cordial, troque informações (nome, telefone, seguradora), mas não admita culpa. Deixe que as seguradoras, com suas equipes de peritos, determinem as responsabilidades. Quinto: Siga o protocolo. Leve o carro para a vistoria no local indicado pela seguradora. Escolha uma oficina – você tem o direito de escolher uma de sua confiança, não precisa ser necessariamente uma credenciada, embora as credenciadas costumem ter um processo mais ágil e facilidades de pagamento da franquia. Acompanhe o andamento do conserto e não tenha medo de questionar.
No fim das contas, a palavra “sinistro” perde sua carga assustadora quando você a encara não como o fim do mundo, mas como o início de um procedimento para o qual você, preventivamente, já estava preparado. É a hora em que o seu planejamento, o seu investimento mensal, mostra o seu verdadeiro valor. É o momento em que a rede de segurança que você teceu pacientemente aparece para te amparar na queda. E saber como agir, com calma e método, é o que transforma uma vítima passiva em um agente ativo na defesa dos seus próprios direitos.