Tesouros sobre Rodas: O Desafio e a Arte de Contratar um Seguro Para Carros Antigos

Quando a Tabela FIPE é Inimiga: A Batalha de um Colecionador Para Proteger o Valor Real de sua Relíquia
Da Apólice Comum à Cobertura Especial: Um Guia Para Garantir que seu Clássico Esteja Realmente Seguro
Tenho uma memória muito nítida da minha infância. Meu avô, um homem de poucas palavras mas de um cuidado imenso, passando horas na garagem aos domingos. O ar tinha um cheiro particular, uma mistura de graxa, gasolina e do couro dos bancos do seu Opala Diplomata 1988, um gigante azul-marinho que ele mantinha em estado de novo. Lembro do toque frio das maçanetas cromadas, do som pesado e satisfatório da porta batendo, e do ronco grave do motor de seis cilindros, uma melodia que para ele era a mais bela do mundo. Aquele carro não era um simples meio de transporte. Era um membro da família, um depositário de memórias, um tesouro. É por causa dessa lembrança afetiva que, hoje, como advogada, sinto uma afinidade especial quando um cliente me procura com o desafio de contratar um seguro para carros antigos. Eu entendo, de forma visceral, que a preocupação dele não é proteger um monte de lata, mas sim salvaguardar uma paixão, um pedaço de sua própria história. E nesse universo, as regras do jogo são completamente diferentes.
O principal campo de batalha para quem tem um carro clássico é a luta contra a tirania da Tabela FIPE. Para um carro comum, a FIPE é uma referência de mercado justa. Para um antigo, ela é uma inimiga, uma régua que mede um gigante com a precisão de um palito de fósforo. Tive um cliente, o Sr. Afonso, um colecionador meticuloso, dono de um Puma GT 1978, vermelho, com placa preta, um carro que era uma escultura sobre rodas. Ele tentou fazer um seguro numa seguradora tradicional. A oferta que recebeu foi ofensiva. Queriam segurar o carro dele pelo valor irrisório que constava na FIPE, um número que não refletia nem de perto as décadas de garimpo por peças originais, o custo da restauração primorosa e, claro, o valor de mercado real daquela joia para outros colecionadores. O Sr. Afonso estava indignado. Ele me mostrava as fotos do carro em exposições, o brilho da pintura, o interior impecável, e sua voz era carregada de uma paixão que contrastava com a frieza burocrática das seguradoras comuns. O problema é que essas empresas não estão preparadas para esse nicho. Para elas, um carro antigo é um problema: a avaliação é complexa, as peças de reposição são raras ou inexistentes, e o risco é difícil de calcular. Minha missão, como sua advogada, foi mergulhar nesse submundo fascinante e encontrar os caminhos certos para proteger o valor real do seu tesouro, e não o valor contábil.
A jornada do Sr. Afonso nos ensinou lições valiosas, que hoje formam meu guia prático para quem busca um seguro para carros antigos. Primeiro, fuja do óbvio. Não perca seu tempo com as grandes seguradoras de varejo. Você precisa de especialistas. Existem corretoras e até mesmo seguradoras inteiras dedicadas exclusivamente a esse nicho. São profissionais que falam a sua língua, que entendem a diferença entre um “matching numbers” e uma réplica, e que frequentam os mesmos eventos que você. O primeiro passo é encontrar esses parceiros. Segundo, a palavra-chave é “Valor Determinado”. Esqueça a FIPE. A apólice para um carro antigo deve ser baseada num valor pré-acordado entre você e a seguradora. Isso se chama “Apólice de Valor Determinado” ou “Valor de Mercado Determinado”. Para chegar a esse valor, é indispensável um laudo de avaliação feito por um perito especializado e reconhecido no meio. Sim, esse laudo tem um custo, mas é o investimento mais importante que você fará, pois ele se torna a base legal da sua indenização em caso de perda total. Terceiro, seja honesto sobre o uso. Um dos motivos pelos quais o seguro para clássicos pode ser mais acessível é a premissa de uso limitado. A apólice geralmente estipula que o carro não será usado no dia a dia, com restrições de quilometragem anual. Se você disser que só usa o carro aos domingos para ir a encontros, mas na verdade o usa para ir ao trabalho, você está cometendo uma fraude que pode invalidar sua cobertura em caso de sinistro. Quarto, a “Placa Preta” é sua maior aliada. Obter o Certificado de Originalidade e a placa de veículo de coleção não é só uma questão de status. Para as seguradoras especialistas, é um selo de qualidade, um atestado de que seu veículo tem um alto grau de originalidade e está em excelente estado. Ter a placa preta abre as portas para as melhores e mais completas apólices. Quinto, pense em coberturas acessórias. Seu clássico precisa de cuidados especiais. Verifique se a apólice oferece cobertura para transporte em guincho plataforma (jamais rebocado!), para que ele possa ir a eventos e oficinas com segurança. Se o carro tiver peças raras, pode ser interessante verificar coberturas que ajudem na importação de componentes para reparo.
No fim das contas, segurar um carro antigo é um ato de curadoria, muito parecido com o de proteger uma obra de arte. Exige pesquisa, paciência e a escolha de parceiros que compartilhem da sua paixão e respeito pela história. O objetivo não é apenas ter um papel que te indenize, mas construir um escudo de proteção que esteja à altura da relíquia que você guarda na garagem. É a garantia de que o legado do meu avô, e de tantos outros como o Sr. Afonso, continuará a roncar, brilhar e contar suas histórias pelas estradas por muitos e muitos anos.